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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Quem menos tem mais sofrerá com venda da Cedae

CARLOS MONTEIRO

Meninos brincam no poluído Canal do Cunha, em Benfica
(Foto: Domingos Peixoto / O Globo)
Antes de cursar jornalismo, durante pouco mais de um ano, estudei física, na UFF. Se isso não me deu capacidade suficiente para elucidar questões de grande complexidade, pelo menos me permitiu ter boa desenvoltura nas quatro operações. Mas este caso da privatização da Cedae tem me feito duvidar do meu desempenho no que se refere a somar, subtrair, multiplicar ou dividir. Veja só.


Levantamento feito pelo repórter Leandro Resende, da Rádio CBN, que se baseou no último balanço da empresa, publicado em 2016, mostra que a Cedae possui valor ativo de R$13,3 bilhões e patrimônio de R$ 5,93 bilhões. E mais: a companhia alcançou R$ 248 milhões de lucro, no mesmo período. Não perece coisa demais para dar de garantia ao governo federal, que emprestará apenas R$ 3,5 bilhões para os esquálidos cofres do estado do Rio de Janeiro?

Obviamente que meus conhecimentos aritméticos não desapareceram de ontem para hoje. O que não tem fim mesmo é a desfaçatez dessa elite mesquinha. Além de entregar, na cara dura e de mão beijada, um lucrativo patrimônio do estado à iniciativa privada, a venda da estatal deixará a parcela mais carente da população duplamente exposta. Além do risco de perder o direito à tarifa diferenciada no fornecimento de água, os moradores das comunidades de baixa renda, com a privatização, só vêm aumentar a incerteza quanto à ampliação da rede de coleta de esgotos, também responsabilidade da Cedae até então.

Estudo do Instituto Trata Brasil, uma organização da sociedade civil de interesse público, revela que apenas 64,5% dos domicílios do estado têm o esgoto coletado, sendo que somente 33,6% dele é tratado. Além dos inúmeros problemas de saúde provocados – para a Unicef, 88% do total de mortes por diarreia no mundo são decorrentes da falta de saneamento básico –, a precariedade na coleta de esgoto também acarreta graves problemas ambientais. 

Segundo especialistas, diariamente são despejados cerca de 461,5 milhões de litros de esgoto doméstico, sem tratamento, na Baía de Guanabara, quantidade suficiente para encher o equivalente a 185 piscinas olímpicas. E não para por aí. Estudo da Fundação SOS Mata Atlântica ainda aponta que 70 dos 77 canais da cidade do Rio morreram, não têm mais oxigênio. 

Vocês acreditam mesmo que os empresários que temos por aqui, que trata a população como gado nos privatizados transportes públicos, estão mesmo dispostos a pagar esta conta? Tenho certeza que não. Tomara que esteja errado.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Torcida única: prenúncio da morte do futebol

CARLOS MONTEIRO


Confesso que, por ser inveterado apaixonado pela vida e seus heróis anônimos, nunca fui chegado à sensação provocada pela nostalgia. Ela sempre pareceu me conduzir a uma espécie de pequena morte instantânea. Algo que existia se perdeu no caminhar incessante do tempo. Um amigo de infância que nunca mais vi, o cheiro do café antes de ir para a escola, a Rádio Relógio no melhor estilo filósofo de botequim: “cada segundo que passa é um milagre que não se repete”. Por isso, sempre preferi manter distância da nostalgia. Obviamente, inutilmente.

Nestes dias sombrios, de quase nenhuma solidariedade e apreço à vida, à ordem democrática e ao amor desinteressado, bateu uma nostalgia da porra. Não é para menos. Além da volta da censura e dos pedidos de ditadura, assistimos, entre incrédulos e impávidos, a morte do Maracanã. Para eles, que detestam tudo que se relacione com o popular, com o homem comum, desengravatado e desprovido de gabinetes refrigerados, ainda é pouco. Na intenção de colocar um basta na violência nos estádios, os senhores de nossa aldeia global destrambelhada desejam retirar os torcedores dos campos de futebol.

Aí fica difícil não lembrar, como já disse em post anterior, de mim e meu pai, mãos dadas, subindo a rampa do Maraca, juntamente com os torcedores dos outros clubes. Tenho saudade também do tempo em que não precisava concordar com o Eurico Miranda, que tem posições tão próximas às minhas quanto o Brasil da Sibéria. Entretanto, nesta empreitada, estou com o presidente do Vasco. Com uma torcida só, não tem jogo. Que graça tem ir ao estádio e gritar que “o Vasco é time da virada” para apenas os meus pares ouvirem?

Quero continuar a ter o prazer de frequentar os campos com meu filho, assim como fiz com meu pai, para torcer com os adversários. Quero viver a diversidade, com todo mundo junto e misturado. Ela, a mistura é que me interessa. Afinal, somos filhos dela. Filhos dos negros, dos brancos e dos índios. 

Não nos calarão!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Biquini, carnaval e globalização em Porto de Galinhas

CARLOS MONTEIRO
"Ao estudar movimentos recentes de globalização, 
advertimos que estes não só integram e geram mestiçagem; 
também segregam, produzem novas desigualdades 
e estimulam reações diferenciadoras"
(Néstor García Canclini) 

Bancada de corais no mar de Maragogi, em Alagoas (Foto: Carlos Monteiro)
Férias, momento mais esperado do ano. Não me venham com essa conversa de que “amo tanto o que faço que nem vejo o tempo passar”. Tudo bem. Eu também. Afinal de contas, ganho a vida a fazer exatamente o que sempre quis: escrever. O que, convenhamos, não é nada mal. Apesar de todo este amor à profissão, o que mais gosto mesmo é de ficar sem fazer nada, a curtir um romance de boa com a minha mulher, a ver o filho evoluir e a vida a passar sem pressa.

Pois bem. Este ano, eu e Juliana fomos recarregar nossas mentes e corações, com boas energias, em Porto de Galinhas, no lindo litoral sul pernambucano, com direito a uma esticadinha em Maragogi, Alagoas. Sobre os atributos locais nem preciso escrever. Para quem não conhece, basta dar um Google.  É imperdível!

Em meio à indescritível beleza das bancadas de corais, aos inacreditáveis muros de arrecifes que se alevantam do mar e a tantas outras sinfonias para os olhos, singela frase, proferida por uma adolescente que dividia mesa com outros jovens, levou-me do encantamento à reflexão. “comprei um biquíni nos Estados Unidos e pensei que fosse pagar o maior mico quando usasse ele aqui (sic). Mas não. Tá todo mundo usando!, festejou a moça.

A história do biquíni, que não era amarelinho nem de bolinha e muito menos pequenininho, usado pela menina lá nos EUA e em Porto de Galinhas, fez-me divagar. Olhei ao redor e vi sei lá quantas dezenas de pessoas de outras nacionalidades a flanar pela Alameda Luciano do Vale. Argentinos, a maioria. Mas também tinha Italiano, japonês, americano, alemão. 

Dos livros, a tal globalização estava ali, materializada diante de nós, em cores, alma e gestos. Assim como os brasileiros abarrotam as lojas de departamentos em Nova Iorque e Miami, os “hermanos”, por exemplo, lotavam cotidianamente, em Porto, a lojinha dos chinelos Havaianas – febre em terras portenhas –, por conta dos preços baixos encontrados aqui, onde foram criados e são fabricados.

É fato que os processos globalizadores aumentam a interculturalidade, permitindo que a menina use, sem constrangimento, em Porto de Galinhas, o mesmo biquíni comprado nos EUA, e que os argentinos tenham acesso às Havaianas, e as calcem, livremente, pelas ruas de Buenos Aires. Mas eles, os processos globalizadores, também reduzem, sobremaneira, a autonomia das tradições locais. 

É aí que reside todo o perigo, quer ver?! Se não fossem uns três ou quatro moleques, a cata de trocados, a batucar pela mesma alameda lotada de gringos desejosos de artesanato barato, nem pareceria que estávamos a pouco menos de um mês do Carnaval. Isso em pleno território pernambucano, terra do Frevo e do Maracatu, duas das nossas mais fortes e legítimas manifestações culturais. Prova definitiva de que nada, nem mesmo ele, o secular e poderoso Carnaval (que pena!), passa impune por ela, a tal da globalização. 


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Morte, impunidade e insensibilidade no futebol

CARLOS MONTEIRO
“Ei, meus amigos,
um novo momento precisa chegar.
Eu sei que é difícil começar tudo de novo,
mas eu quero tentar.”
(Clamor no Deserto – Belchior)


Alvinegros tentam ajudar homem ferido após confusão nas proximidades do Engenhão
(Foto: Marcelo Theobald / O Globo)

O ano mal começou e já nos deparamos com tragédias a assombrar os estádios de futebol. No último domingo, uma semana após um jovem tricolor ser espancado com barra de ferro nas proximidades do Maracanã, depois de assistir a um jogo do time dele (pasmem!) em Xerém, um botafoguense foi baleado e morreu na porta do Engenhão. Na realidade, não importa para quem torciam, se eram ou não de facção organizada, como muitos pretendem polemizar. Neste balanço sinistro, o resultado é somente dano, dor e sofrimento para mais uma família em luto.

Como se não bastasse o funesto episódio, as diretorias de Botafogo e Flamengo acabaram por acirrar ainda mais o ódio, mesmo que a intenção não fosse esta. Primeiro foi o vice-presidente de comunicação rubro-negro, Antonio Tapet, que, a tripudiar na sensibilidade, publicou no twitter, logo após o clássico, a seguinte mensagem, carregada de um duplo sentido, no mínimo, desnecessário: “Somos todos menos alguns. Acostumem-se. Tudo é maior, mais importante, mais relevante.”

Também na contra mão do bom senso, Carlos Eduardo Pereira, o presidente alvinegro, irritado com os prejuízos causados pelos torcedores rubro-negros no Engenhão, revelou à ESPN que não permitirá mais que o Flamengo utilize as dependências do estádio que administra. Se a intenção era esta não sei, mas não tenho a menor dúvida de que a proibição do cartola ao Rubro-Negro ficou com alma, cor e sabor de retaliação.

Mais importante do que discutir se os dirigentes têm razão – o flamenguista por festejar a vitória e o botafoguense por querer se ver livre de prejuízos – é percebermos como, em vez de causar revolta e indignação generalizada, a morte em partidas de futebol acabam por ser banalizadas. Isso explica, por exemplo, que, nas redes sociais, pais de família, homens honrados, cumpridores de seus deveres, estivessem, no dia seguinte ao clássico, mais preocupados, por conta de suas paixões clubísticas, em se acusarem mutuamente do que em buscar alternativas para darmos um basta na violência nos estádios.

Sinceramente, do que adianta nota de pesar, solidariedade aos familiares, se não tomamos as medidas que devem ser tomadas? Quantas vezes já se identificou meliantes a matar, a espancar e a roubar nos estádios e não se fez nada de concreto? E a Justiça por que também não pune com mais rigor? Pois é, amigos, nesta intrincada teia de interesses e negócios, ficamos nós, pobres torcedores, assim como toda sociedade civil, à mercê da sorte, de Deus e de quem mais, lá de cima, quiser nos ajudar.

Enquanto isso, vou aqui brincando com minhas memórias. Sinto saudade do tempo em que subia a rampa da Uerj para ver o Vasco jogar, de mãos dadas com meu pai, juntamente com os torcedores adversários, sem brigas e tiros. Pois é, os tempos andam tão difíceis que, se não fizermos nada, assim como o futebol, periga, daqui mais alguns anos, não termos nem mais a Uerj, de tão vilipendiada que foi por Sérgio Cabral e sua gang. Tá puxado!  

Clamor no Deserto (Belchior)