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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Biquini, carnaval e globalização em Porto de Galinhas

CARLOS MONTEIRO
"Ao estudar movimentos recentes de globalização, 
advertimos que estes não só integram e geram mestiçagem; 
também segregam, produzem novas desigualdades 
e estimulam reações diferenciadoras"
(Néstor García Canclini) 

Bancada de corais no mar de Maragogi, em Alagoas (Foto: Carlos Monteiro)
Férias, momento mais esperado do ano. Não me venham com essa conversa de que “amo tanto o que faço que nem vejo o tempo passar”. Tudo bem. Eu também. Afinal de contas, ganho a vida a fazer exatamente o que sempre quis: escrever. O que, convenhamos, não é nada mal. Apesar de todo este amor à profissão, o que mais gosto mesmo é de ficar sem fazer nada, a curtir um romance de boa com a minha mulher, a ver o filho evoluir e a vida a passar sem pressa.

Pois bem. Este ano, eu e Juliana fomos recarregar nossas mentes e corações, com boas energias, em Porto de Galinhas, no lindo litoral sul pernambucano, com direito a uma esticadinha em Maragogi, Alagoas. Sobre os atributos locais nem preciso escrever. Para quem não conhece, basta dar um Google.  É imperdível!

Em meio à indescritível beleza das bancadas de corais, aos inacreditáveis muros de arrecifes que se alevantam do mar e a tantas outras sinfonias para os olhos, singela frase, proferida por uma adolescente que dividia mesa com outros jovens, levou-me do encantamento à reflexão. “comprei um biquíni nos Estados Unidos e pensei que fosse pagar o maior mico quando usasse ele aqui (sic). Mas não. Tá todo mundo usando!, festejou a moça.

A história do biquíni, que não era amarelinho nem de bolinha e muito menos pequenininho, usado pela menina lá nos EUA e em Porto de Galinhas, fez-me divagar. Olhei ao redor e vi sei lá quantas dezenas de pessoas de outras nacionalidades a flanar pela Alameda Luciano do Vale. Argentinos, a maioria. Mas também tinha Italiano, japonês, americano, alemão. 

Dos livros, a tal globalização estava ali, materializada diante de nós, em cores, alma e gestos. Assim como os brasileiros abarrotam as lojas de departamentos em Nova Iorque e Miami, os “hermanos”, por exemplo, lotavam cotidianamente, em Porto, a lojinha dos chinelos Havaianas – febre em terras portenhas –, por conta dos preços baixos encontrados aqui, onde foram criados e são fabricados.

É fato que os processos globalizadores aumentam a interculturalidade, permitindo que a menina use, sem constrangimento, em Porto de Galinhas, o mesmo biquíni comprado nos EUA, e que os argentinos tenham acesso às Havaianas, e as calcem, livremente, pelas ruas de Buenos Aires. Mas eles, os processos globalizadores, também reduzem, sobremaneira, a autonomia das tradições locais. 

É aí que reside todo o perigo, quer ver?! Se não fossem uns três ou quatro moleques, a cata de trocados, a batucar pela mesma alameda lotada de gringos desejosos de artesanato barato, nem pareceria que estávamos a pouco menos de um mês do Carnaval. Isso em pleno território pernambucano, terra do Frevo e do Maracatu, duas das nossas mais fortes e legítimas manifestações culturais. Prova definitiva de que nada, nem mesmo ele, o secular e poderoso Carnaval (que pena!), passa impune por ela, a tal da globalização. 


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