"Ao estudar movimentos recentes de globalização,
advertimos que estes não só integram e geram mestiçagem;
também segregam, produzem novas desigualdades
e estimulam reações diferenciadoras"
(Néstor García Canclini)
Bancada de corais no mar de Maragogi, em Alagoas (Foto: Carlos Monteiro) |
Férias, momento mais esperado do ano. Não me venham com
essa conversa de que “amo tanto o que faço que nem vejo o tempo passar”. Tudo
bem. Eu também. Afinal de contas, ganho a vida a fazer exatamente o que sempre
quis: escrever. O que, convenhamos, não é nada mal. Apesar de todo este amor à
profissão, o que mais gosto mesmo é de ficar sem fazer nada, a curtir um
romance de boa com a minha mulher, a ver o filho evoluir e a vida a passar sem
pressa.
Pois bem. Este ano, eu e Juliana fomos recarregar nossas
mentes e corações, com boas energias, em Porto de Galinhas, no lindo litoral sul
pernambucano, com direito a uma esticadinha em Maragogi, Alagoas. Sobre os atributos locais nem preciso escrever. Para quem não
conhece, basta dar um Google. É
imperdível!
Em meio à indescritível beleza das bancadas de corais, aos
inacreditáveis muros de arrecifes que se alevantam do mar e a tantas outras
sinfonias para os olhos, singela frase, proferida por uma adolescente que
dividia mesa com outros jovens, levou-me do encantamento à reflexão. “comprei
um biquíni nos Estados Unidos e pensei que fosse pagar o maior mico quando
usasse ele aqui (sic). Mas não. Tá todo mundo usando!, festejou a moça.
A história do biquíni, que não era amarelinho nem de
bolinha e muito menos pequenininho, usado pela menina lá nos EUA e em Porto de
Galinhas, fez-me divagar. Olhei ao redor e vi sei lá quantas dezenas de pessoas
de outras nacionalidades a flanar pela Alameda Luciano do Vale. Argentinos, a
maioria. Mas também tinha Italiano, japonês, americano, alemão.
Dos livros, a
tal globalização estava ali, materializada diante de nós, em cores, alma e
gestos. Assim como os brasileiros abarrotam as lojas de departamentos em Nova
Iorque e Miami, os “hermanos”, por exemplo, lotavam cotidianamente, em Porto, a
lojinha dos chinelos Havaianas – febre em terras portenhas –, por conta dos
preços baixos encontrados aqui, onde foram criados e são fabricados.
É fato que os processos globalizadores aumentam a interculturalidade,
permitindo que a menina use, sem constrangimento, em Porto de Galinhas, o mesmo
biquíni comprado nos EUA, e que os argentinos tenham acesso às Havaianas, e as
calcem, livremente, pelas ruas de Buenos Aires. Mas eles, os processos
globalizadores, também reduzem, sobremaneira, a autonomia das tradições locais.
É aí que reside todo o perigo, quer ver?! Se não fossem uns três ou quatro moleques, a cata
de trocados, a batucar pela mesma alameda lotada de gringos desejosos de artesanato
barato, nem pareceria que estávamos a pouco menos de um mês do Carnaval. Isso
em pleno território pernambucano, terra do Frevo e do Maracatu, duas das nossas mais fortes e legítimas manifestações culturais. Prova definitiva
de que nada, nem mesmo ele, o secular e poderoso Carnaval (que pena!), passa
impune por ela, a tal da globalização.
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